Emergência Teles Pires: risco de rompimento de barragem e violências

Jefferson Nascimento, coordenador do MAB/MT observando as mudanças no rio provocadas pela UHE COLIDER
Foto: Caio Mota

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Organizações denunciam na ONU contra o complexo de hidrelétricas no rio Teles Pires.

O rio Teles Pires vive uma situação grave que afeta milhares de pessoas que vivem na região. A denúncia apresentada, no dia 13 de outubro de 2025, pelo Movimento dos Atingidos por Barragens de Mato Grosso (MAB/MT), o Instituto Coletivo Proteja, a Associação Indígena DACE, do povo Munduruku que vive no baixo rio Teles Pires, e pelo Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), reúne relatos, documentos e avaliações técnicas que mostram um risco real ligado à Usina Hidrelétrica de Colíder e aos impactos do conjunto de barragens construídos ao longo do Teles Pires.

O conteúdo expõe danos ao território, à água, aos peixes, à segurança das pessoas e aos lugares sagrados do povo Munduruku. Também mostra como a falta de diálogo e de informação deixa as comunidades em alerta permanente.

A publicação destaca por que essa denúncia foi levada à ONU e apresenta os pedidos para que medidas urgentes sejam tomadas. É um chamado para proteger vidas, territórios e o futuro do Teles Pires.

Leia denúncia na íntegra abaixo:

Exmo. Sr. Relator Especial para o direito humano à água e saneamento, Sr. Pedro Arrojo-Agudo

Denúncia sobre a situação emergencial da Usina Hidrelétrica Colíder e as graves violações de direitos na bacia do rio Teles Pires, Amazônia, Brasil

O Movimento dos Atingidos por Barragens de Mato Grosso (MAB/MT), o Instituto Coletivo Proteja e a Associação Indígena DACE, do povo Munduruku que vive no baixo rio Teles Pires, e o Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad) vêm, por meio deste documento, apresentar a Vossa Excelência uma denúncia formal sobre a grave e iminente ameaça representada pela Usina Hidrelétrica de Colíder, localizada no rio Teles Pires, no estado de Mato Grosso, na Amazônia brasileira. A situação, que já se configura como uma emergência socioambiental, coloca em risco a vida de milhares de pessoas, a integridade de ecossistemas vitais e a sobrevivência de povos indígenas e comunidades tradicionais.

A presente denúncia se fundamenta em relatórios técnicos, ações judiciais e no testemunho das populações diretamente afetadas que, há décadas, sofrem com os impactos de um modelo de desenvolvimento predatório. Solicitamos, com a máxima urgência, a atenção desta Relatoria para as violações de direitos humanos em curso e para o risco iminente de um desastre de proporções catastróficas, requerendo a adoção de medidas imediatas para garantir a segurança das populações e a responsabilização dos agentes envolvidos.

1. O Complexo Hidrelétrico do Teles Pires: Um Histórico de Violações

O rio Teles Pires, um dos formadores da bacia do Tapajós, é hoje um dos mais impactados por hidrelétricas na Amazônia. Em menos de uma década, quatro grandes usinas (Sinop, Colíder, Teles Pires e São Manoel) foram instaladas, convertendo corredeiras e cachoeiras em uma sequência de reservatórios. Em nome de um suposto progresso energético, consolidou-se um rastro de impactos sociais e ambientais denunciado há anos pelo MAB, DACE, A Proteja e outras organizações.

A construção das barragens no rio Teles Pires ocorreu com violações sistemáticas de direitos. Foram atingidos povos indígenas, pescadores, assentados da reforma agrária e moradores de mais de dez cidades na área de influência direta dos empreendimentos, em dois estados: Pará e Mato Grosso.
Exemplo central é Karobixexe, a cachoeira Sete Quedas, considerada “casa sagrada” pelo povo Munduruku. Durante as obras no Teles Pires, foram encontrados mais de 200 mil artefatos arqueológicos, prova de ocupação milenar. Ainda assim, a cachoeira foi dinamitada. Além de Karobixexe, outro local sagrado foi destruído na região: Deko ka’a, conhecido como Morro dos Macacos, relacionado à “Mãe dos Animais”, impactado pela UHE São Manoel.

A destruição de Sete Quedas e do Morro dos Macacos atingiu a espiritualidade e a cultura Munduruku. Esses lugares são marcos de memória e identidade coletiva. Sua perda configura grave violação de direitos humanos e aprofunda um ciclo de expropriação nos territórios.

Além da destruição do patrimônio espiritual e cultural, a implantação do complexo hidrelétrico resultou em:

Atingidos sem indenização: Mais de 200 famílias de agricultores, assentados da reforma agrária, tiveram terras inundadas pelo reservatório da UHE Sinop e seguem sem indenizações justas.

Impactos na biodiversidade: A mortandade de peixes tornou-se recorrente, afetando a alimentação e a renda das comunidades. Espécies ameaçadas estão sob risco. Primatas recém catalogados pela ciência na região, como Plecturocebus grovesi e o sagui-de-Schneider (Mico schneideri), também estão em risco. Alterações no regime hídrico e a degradação da qualidade da água impactam a fauna e a flora em toda a bacia.

Violência e criminalização: Estudos independentes, do Fórum Teles Pires, apontam agravamento da violência em municípios da região do Teles Pires após a instalação do complexo, com aumento de homicídios, lesões corporais e estupros em cidades como Alta Floresta, Sinop e Paranaíta. O padrão se repete em outros grandes empreendimentos na Amazônia, desmentindo a narrativa desenvolvimentista que promete melhoria de vida aos territórios impactados.

2. A Emergência na UHE Colíder. Um Desastre Anunciado

A situação da UHE Colíder é o capítulo mais recente e alarmante desse histórico de violações. Desde a construção, a usina apresenta problemas estruturais que culminaram no atual estado de emergência. Relatório técnico do Centro de Apoio Técnico à Execução Ambiental (CAEX/MPMT) identificou falhas críticas no sistema de drenagem da barragem: erosão interna, rompimento de drenos e sobrepressão em diversas estruturas, indicando risco potencial e iminente de ruptura. Em cenário extremo, um rompimento em Colíder pode atingir as usinas de Teles Pires e São Manoel, em efeito cascata.

Entre 22 e 27 de agosto de 2025, uma vistoria examinou 70 tubos de drenagem da barragem. Quatorze estavam sem medidores de pressão; em cinquenta e cinco faltavam telas ou filtros para conter a água turva; em dezoito havia arraste de sedimentos. Cinco tubos estavam rompidos e três, obstruídos.
A chamada Zona de Autossalvamento (ZAS), área que precisa ser evacuada em caso de emergência, como um rompimento, também preocupa. Das 181 edificações mapeadas, 131 não foram encontradas nas visitas de campo, segundo relatório do MPMT. O sistema de alerta depende apenas de sirenes móveis, o que aumenta o risco e reduz a nitidez das orientações à população.

Diante da gravidade, o MPMT recomendou a elaboração de estudo técnico para avaliar alternativas como desativar UHE Colíder, conforme a Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº 12.334/2010). O documento aponta a ausência de diagnóstico conclusivo sobre a origem das falhas e a falta de avaliação integrada dos impactos cumulativos das usinas no Teles Pires.

Em resposta ao risco, a Eletrobras iniciou o rebaixamento do reservatório. A medida foi adotada sem diálogo com as populações atingidas e vem gerando impactos ambientais e sociais. A variação brusca do nível do rio provocou mortandade de peixes, destruição de áreas de desova de quelônios e piora da qualidade da água. Comunidades que vivem a jusante (abaixo do reservatório) relatam medo e insegurança, sem informações confiáveis. Denunciam desinformação e ausência de diálogo efetivo com as empresas responsáveis sobre riscos e procedimentos de emergência.

O histórico da UHE Colíder não se limita às falhas atuais. Durante a construção, ocorreram acidentes de trabalho, inclusive com mortes de operários, e irregularidades trabalhistas e ambientais. Esse passivo antecipou os riscos hoje denunciados e exige auditoria independente, transparência e medidas imediatas de prevenção e reparação.

3. Violações de Direitos Humanos e Ambientais

A emergência na UHE Colíder, somada aos impactos do complexo hidrelétrico no Teles Pires, revela um quadro de violações múltiplas e sistemáticas. Há risco à vida e à segurança de milhares de pessoas que vivem ao longo do rio Teles Pires, abaixo das barragens, sem plano de evacuação nítido nem sistema de alerta eficaz, o que aumenta a vulnerabilidade de comunidades indígenas, pescadores, assentados e populações urbanas.

O direito humano à água e ao saneamento é afetado pelo rebaixamento do reservatório e pela piora na qualidade da água, com carreamento de sedimentos e decomposição de matéria orgânica. A mortandade de peixes compromete o direito à alimentação e atinge diretamente a segurança alimentar de povos indígenas e ribeirinhos, cuja subsistência e cultura dependem da pesca. Ao mesmo tempo, os danos à biodiversidade, inclusive a espécies endêmicas e ameaçadas, ferem o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

Também se violam direitos dos povos indígenas, com destruição de locais sagrados, inundação de territórios e impactos sobre recursos naturais, em afronta à Constituição e à Convenção 169 da OIT. Persistem ainda violações ao direito à moradia e à reparação justa, pois centenas de famílias seguem sem indenização adequada. Por fim, o direito à informação e à participação é rotineiramente negado. As comunidades não recebem dados confiáveis sobre riscos, planos de emergência e decisões, sendo excluídas de processos que deveriam proteger suas vidas.

4. Pedidos ao Relator Especial

Diante do exposto, o Movimento dos Atingidos por Barragens de Mato Grosso (MAB/MT), o Instituto Coletivo Proteja, a Associação Indígena DACE e Formad solicitam que Vossa Excelência:

  1. Recomende ao Estado brasileiro a desativação imediata das operações da UHE Colíder, em consonância com a Ação Cautelar movida pelo Ministério Público de Mato Grosso, até que a segurança da estrutura seja garantida por uma auditoria independente e a reparação integral dos danos socioambientais seja assegurada.
  2. Exija a elaboração e a implementação de um Plano de Descomissionamento para a UHE Colíder, que prevê a desativação segura da usina, com ampla participação das comunidades atingidas, garantindo a reparação dos danos e a recuperação socioambiental da bacia do rio Teles Pires.
  3. Cobre do Estado brasileiro a criação e o fortalecimento de canais de comunicação acessíveis, bem como a implantação de sistemas de alerta e planos de evacuação eficazes para as comunidades que vivem abaixo do reservatório da UHE Colíder.
  4. Recomende a revisão das licenças de operação de todo o complexo hidrelétrico do Teles Pires, condicionando sua continuidade à realização de uma Avaliação Ambiental Integrada e à garantia do direito à consulta e ao consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e comunidades atingidas pelas barragens e a instalação de um comitê independente para identificação dos impactos sinérgicos e cumulativos ao longo das áreas de influência direta e indireta das quatro hidrelétricas.
  5. Cobre também, que o Estado brasileiro adote medidas urgentes para a reparação dos danos causados aos povos indígenas, incluindo a demarcação e proteção efetiva de seus territórios, a proteção de seus locais sagrados e a garantia de sua segurança alimentar e cultural.

Conclusão

A situação da UHE Colíder é um retrato da negligência do Estado brasileiro e da ganância das empresas do setor elétrico, que continuam a lucrar sobre a violação de direitos e a destruição da Amazônia. A iminência de um desastre no rio Teles Pires não é um fato isolado, mas o resultado de um modelo de desenvolvimento que ignora os custos sociais e ambientais em nome do lucro. A vida de milhares de pessoas e o futuro de um ecossistema vital estão em jogo.

Confiamos na atuação desta Relatoria para que o Estado brasileiro seja responsabilizado por suas omissões e obrigado a adotar medidas concretas para proteger a vida, a água e os direitos dos povos da Amazônia.

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